sábado, 5 de setembro de 2009

Reflexão N. 1


Ninguém sonha duas vezes o mesmo sonho
Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio
Nem ama duas vezes a mesma mulher.

Deus de onde tudo deriva
É a circulação e o movimento infinito.

Ainda não estamos habituados com o mundo

Nascer é muito comprido.

Murilo Mendes
pintura de Guignard

Murilo Mendes emhomenagem a Oswaldo Goeldi








Hoje descobri outro mineiro - Murilo Mendes (1901-1975)um dos principais nomes da segunda geração modernista.Nasceu em Juiz de Fora e cedo foi pro Rio de Janeiro. Seu primeiro livro, Poemas, é de 1930, o mesmo ano de estréia do queridíssimo Drummond , com Alguma Poesia.

E foi por acaso porque nesta minha fase metida a Tarsila , descobri também o pintor carioca Oswaldo Goeldi (1895-1961) e as obras acima.


Murilo escreveu em seu poema-homenagem, publicado em 1959, para o amigo Oswaldo Goeldi


Oswaldo gravas:

A ti mesmo fiel, ao teu ofício,

Gravas a pobreza, o vento, a dissonância,

A rude comunhão dos homens no trabalho.

Gravas o abandonado, o triste, o único,

O peixe que te mira quase humano—

É hora de morrer —

No preto e branco, no vermelho e verde.

Qualquer traço perdido

A casa que espia pelo olho-de-boi

Testemunha de drama anônimo.

Gravas a nuvem, o balaio,

O geleiro e seus estilhaços.

O choque em diagonal de guarda-chuvas,

Tudo o que é rejeitado, elementos marginais,

A metade dum astro que se despe

Amado só do penúltimo vadio.

Oswaldo gravas,

Gravas qualquer solidão.

Os peixeiros que partilham peixe e onda,

Pássaros de solidões de água e mato,

O sinaleiro do temporal próximo,

A barca puxada pela sirga,

O bêbedo e seu solilóquio,

A chuva e seus túneis,

O mergulho em tesoura da gaivota.

És do sol posto, da esquina,

Do Leblon e do uivo da noite.

Não sujeitas o desenho à gravação:

Liberaste as duas forças.

Atingindo agora a unidade,

Pela natureza visionária

E pelo severo ofício

A tortura dominando,

Silêncio e solidão

Oswaldo gravas.


In: MENDES, Murilo. Poesias, 1925/1955. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1959